Oi, olá, hello, ciao!
Se a gente ainda não se conhece, prazer, Ana Possas! Te convido a ver mais no “sobre”. Se você já é de casa, bem, fique à vontade! 😉
Durante a Segunda Guerra Mundial, a França sofreu uma dura ocupação nazista. Naquele período, Paris se consolidava como a capital mundial da moda, mérito cuja conquista havia começado ainda no século XVII, no reinado de Luís XIV (1643-1715). Ou seja, a moda, sobretudo a alta-costura 👗, era uma parte fundamental da economia e da cultura francesas.
Com a assinatura do armistício, em junho de 1940, Paris foi isolada do restante do mundo. Os alemães impuseram severas restrições à produção, exportação, publicidade e lucro de bens de luxo, e a indústria começou a vivenciar uma grave escassez de materiais e recursos.
Tecidos nobres, como seda, lã e algodão, tornaram-se raros, forçando estilistas a recorrerem a materiais alternativos, como fibras sintéticas, juta e até papel, criando peças mais econômicas e adaptáveis às circunstâncias ✂️🧵. Tudo isso, somado à proibição das exportações e à tentativa alemã de transferir a indústria da moda para Berlim, representava uma ameaça direta ao prestígio da capital francesa como referência no setor.
Mesmo diante de tantas restrições — e com várias controvérsias sobre quem se aliou a quem —, a indústria se mostrou resiliente. Lucien Lelong, então presidente da Câmara Sindical da Alta-Costura Parisiense, conseguiu convencer os alemães de que a criatividade da moda parisiense era intrínseca à cultura e impossível de ser "roubada".
Com o fim da ocupação, em 1944, a França buscou reafirmar seu papel no cenário global da moda, e um dos símbolos dessa retomada foi o Théâtre de la Mode.
Eis a minha parte favorita da história.
A ideia do Théâtre de la Mode surgiu tanto para promover a alta-costura parisiense quanto para arrecadar fundos para a reconstrução do país. O projeto, aprovado por Lelong, já mencionado acima, contou com a adesão e as criações de estilistas renomados, como Christian Dior, Cristóbal Balenciaga, Pierre Balmain, Jeanne Lanvin, Jacques Fath, Nina Ricci, Madame Grès e Robert Piguet, entre outros.
O plano era engenhoso 🧠: sem recursos para a produção de um grande desfile com coleções em tamanho real, os estilistas projetaram roupas em miniatura, vestindo manequins de arame com cabeças de gesso, de cerca de 70 centímetros de altura.

O uso do arame foi, na verdade, mais uma adaptação às circunstâncias da época 💡. O material empregado nos manequins foi encontrado nos depósitos da Galeries Lafayette, onde havia sobras de estoque pré-guerra.
Desenhados pela ilustradora Éliane Bonavel e criados pelo escultor Jean Saint-Martin, esses manequins foram a solução encontrada para representar modelos de alta-costura em uma escala reduzida, o que permitia exibir as criações sem exigir grande quantidade de tecidos e outros materiais escassos.
O projeto também contou com a colaboração de artistas e cenógrafos renomados, responsáveis pelos cenários onde os manequins foram expostos. Assim, o Théâtre de la Mode tornou-se não apenas uma exibição de moda, mas um evento artístico e cultural de grande impacto.
A exposição foi originalmente exibida entre 1945 e 1946, com uma reconstituição posterior em 1990. Passou por várias cidades 🌍, incluindo Paris, Londres e Nova York, antes de ser alojada permanentemente no Maryhill Museum of Art, em Washington, EUA.
📖 As informações acima foram extraídas do catálogo da exposição, disponível aqui.
🎬 Meu interesse em me aprofundar na história surgiu após assistir à série The New Look (Apple TV), baseada no período de ascensão do estilista Christian Dior ✨.
💭 Obs.: Durante o mestrado, tive aulas com um professor que sempre dizia que o termo francês Haute Couture é intraduzível, mas aqui eu tomei toda a liberdade de falar alta-costura sim.
A escassez de materiais, mais do que exigir engenhosidade técnica 🛠️, acabou assumindo um valor simbólico. O Théâtre de la Mode era uma forma de afirmar que, apesar das privações e da ocupação alemã, o espírito criativo e a sofisticação da moda francesa permaneciam intactos.
Bom, longe de mim romantizar a escassez ou a falta de recursos 🚧, mas gosto bastante dessa história porque sempre fui simpática à ideia de criar a partir do que temos ao nosso alcance, em vez de esperar pelo cenário ideal.
Nada disso, no entanto, precisa ser sinônimo de gambiarra ou de algo malfeito. Pelo contrário, o Théâtre de la Mode é um ótimo exemplo de como um caminho diferente pode levar a um resultado até mais marcante que um desfile tradicional. 🎭
Sei que as limitações são um exercício importante para a criatividade, mas essa história, em especial, também me conectou a duas outras lógicas. Veja se faz sentido. 🤔
P.s.: Quando falo de limitações, parto do princípio de que você também entende que não estamos falando de escassez de recursos básicos, como alimentação, saúde e educação. Isso é inegociável.
🛠️ Effectuation
Curiosamente, no mesmo período em que me aprofundei nas pesquisas sobre a exposição, tive contato com um modo de pensar chamado Effectuation. O conceito foi desenvolvido pela professora de empreendedorismo Saras Sarasvathy e, embora tenha como base uma pesquisa com empreendedores experientes, acredito que sua aplicação possa ser útil a qualquer pessoa.
A lógica é muito parecida com a que guiou a história acima. Em um contexto no qual o futuro se apresenta cada vez mais incerto 🌍, quem decide empreender deve focar nos recursos que já possui e agir a partir deles. Essa abordagem se baseia em cinco princípios:
🦜 Bird in Hand (Pássaro na mão): em vez de definir um objetivo fixo e só depois buscar recursos para alcançá-lo, a ideia é combinar os meios que já temos para imaginar possibilidades e agir. O ponto de partida considera três aspectos fundamentais:
Quem somos (nossas características, gostos e capacidades);
O que sabemos (formação, conhecimentos e experiência);
Quem conhecemos (nossas redes sociais e profissionais).
💸 Affordable Loss (Perda acessível): aqui, no lugar do foco em maximizar o retorno ou lucro, o objetivo é avaliar o quanto nos dispomos a perder em cada decisão, envolvendo parcerias também dispostas a compartilhar pequenas perdas e construindo o que se deseja gradualmente, com riscos mínimos.
🤝 Crazy Quilt (Colcha de retalhos): neste princípio, criar parcerias é mais importante do que vencer a concorrência. Em vez de apostar em um mercado completamente desconhecido, buscamos alianças que compartilham nossa visão e podem contribuir para a construção do que queremos.
🍋 Lemonade (Limonada): aquilo que fazemos dos limões, encarando problemas e imprevistos como oportunidades de inovação e adaptação, não como barreiras.
✈️ Pilot in the Plane (Piloto no avião): em vez de tentar prever o futuro, aceitamos que podemos influenciá-lo por meio de nossas ações e escolhas e, mais do que isso, por meio da colaboração.
Um tanto estimulante, não?! Principalmente por se pautar em percepção, flexibilidade e adaptação constantes. Ao mesmo tempo, essa lógica me levou a outro conceito que, desde que ouvi pela primeira vez, lá em 2013, tem sido um guia para a forma como conduzo minha vida: o MVP (Minimum Viable Product, ou Produto Mínimo Viável). Você conhece?
⚡ O MVP
Popularizado por Eric Ries no livro The Lean Startup, o conceito de MVP se conecta ao desenvolvimento de produtos e negócios com um foco iterativo e ágil. A ideia é criar a versão mais simples possível de um produto ou serviço que ainda consiga entregar valor ao seu público-alvo, permitindo o aprendizado por meio de avaliações reais.
O objetivo é ser uma forma rápida e barata de testar ideias. Ou seja, ao invés de investir muito tempo e dinheiro no desenvolvimento de um produto completo que pode não funcionar no mercado, a proposta é lançar algo simples e aprender rapidamente com as respostas das pessoas. Isso cria um ciclo ágil de construir, medir e aprender, ajudando a evitar o desperdício de tempo e dinheiro em ideias não validadas.💡
Como disse, a primeira vez que ouvi sobre Effectuation, logo conectei ao MVP. De fato, ambos os conceitos se interseccionam em algum nível e podem ser úteis tanto na criação de negócios e projetos quanto na gestão da escassez de recursos em diferentes áreas da vida. Por isso, peço licença para substituir as palavras produto ou serviço por “caminho”, tornando o termo mais abrangente. 🚀
Ambas as lógicas acima deixam algo explícito: a necessidade de ressignificarmos o erro e enxergá-lo como parte fundamental dos nossos processos.
Quem erra, aprende. E quanto mais confortáveis estivermos para errar, mais conseguiremos avançar, mesmo que esse avanço indique a necessidade de uma outra direção. Aliás, o que mais gosto de pensar é que, nessas lógicas, não existe flop ou fracasso, tudo faz parte do caminho até o acerto.
🛤️ Qual o mínimo caminho viável para o que desejamos/precisamos fazer?
Além do Théâtre de la Mode, trouxe alguns exemplos pessoais para ilustrar esta edição. 📝
👉 O mínimo caminho viável para uma plataforma de voluntariado (2013)
Em 2013, uma amiga e então colega do MBA em Marketing Digital que eu cursava me convidou para fazer parte de um projeto cuja proposta era intermediar relações entre pessoas voluntárias e instituições do terceiro setor. O objetivo era fazer o match entre aquilo que as instituições buscavam e as habilidades que as pessoas tinham para oferecer (algo já bem comum hoje em dia, mas não tanto naquela época). 🤝
Nós não tínhamos qualquer dinheiro para investir no projeto, mas tínhamos o tempo pós-expediente e alguns recursos digitais 📱. Assim, para testar se a ideia teria adesão, criamos uma página no Facebook, fizemos contato com algumas instituições e começamos a publicar os “jobs” em templates fofos, bem coloridos. Tudo era bem feito para os padrões da época. 🎨
Não demorou muito para que as pessoas voluntárias começassem a surgir e a página crescesse. Em poucos meses, o projeto ganhou uma landing page para que os cadastros de instituições e voluntários fossem feitos de forma mais automatizada. Ao fim de um ano, havíamos ajudado mais de 45 instituições e construído uma rede de cerca de 300 voluntários. 🌱
Toda a história é contada aqui👇
O próximo passo seria a construção de um grande portal, mas eu acabei precisando abandonar o projeto e a Nath, sua fundadora, engravidou logo em seguida, priorizando sua nova baby. 👶💕
De toda forma, obtivemos um grande aprendizado em um curto espaço de tempo. Ou seja, em vez de investirmos em um grande portal logo de cara, fomos evoluindo com os passos e entendendo tudo que o projeto poderia se tornar.
👉 O mínimo caminho viável para reunir um grupo de mulheres (2019)
Já falei neste post aqui sobre como foi o final do meu 2018, lembra?! Pois é, depois da entrega da minha dissertação, em fevereiro de 2019, eu me vi com mais tempo e mente livres para criar novos projetos e encontrar boas maneiras de voltar a fazer dinheiro.
Eu morava em um apartamento com um grande e ótimo terraço e tinha (ainda tenho) uma amiga que fazia cervejas artesanais em casa. Ambas estávamos com muita vontade de fazer algo que reunisse mais mulheres. Depois de algumas conversas e munidas da tríade espaço, parceria e vontade, a querida Lu Borba e eu criamos o Brechó com Brunch (e cerveja). 🍻👗
Com uma página de eventos no Facebook e acionando a nossa rede de amigas, planejamos o primeiro encontro para o fim de março daquele ano. Apesar de usarmos o nome “brechó”, a ideia não era vender, mas promover a troca de roupas entre as participantes. Para enriquecer ainda mais a experiência, também convidamos uma consultora de imagem para falar sobre estilo pessoal.
Tudo era muito simples: bastava confirmar presença com a gente, chegar com a sua sacolinha e pagar três euros para cobrir os custos do brunch. As cervejas 🍻 seriam vendidas separadamente, por dois euros cada.
Criamos um perfil no Instagram para registrar os bastidores da nossa organização e fazer posts sobre o evento. Uma amiga emprestou as araras e outra se propôs a tirar as fotografias 📸. Nós nem imaginávamos que tanta gente estaria disposta a colaborar.
O resultado foi uma manhã que se estendeu para uma tarde divertida e cheia de trocas. Percebemos que, assim como nós, todas as mulheres presentes no evento também era imigrante, o que gerou conexões e trocas genuínas. As roupas fizeram sucesso, com cada uma saindo feliz com sua sacolinha. 🛍️
Logo no dia seguinte, vimos que algumas participantes do evento estavam marcando o nosso perfil para mostrar as peças que haviam adquirido. Assim, criamos um destaque chamado "reapegos", percebendo que isso valorizava as trocas e gerava desejo em quem não pôde estar presente.
Ao longo de 2019, fizemos mais dois outros eventos, um no início do verão e outro no início do outono, cada um com mais mulheres e mais mulheres dispostas a colaborar. Todas elas sempre muito à vontade, fazendo a gente perceber que o que estávamos criando era mais que um evento, 🤝 era uma comunidade.
Infelizmente, você já sabe o que veio depois. A pandemia nos tirou o fôlego para dar continuidade ao que estávamos construindo, mas a essência do projeto sobreviveu. A Lu parou de produzir a cerveja em casa e, junto do Tarlis, seu companheiro e sócio, abriu a LisPoa Craft Beer. Agora, é lá que os eventos de trocas de roupas acontecem, enquanto eu fico vibrando 🎉 daqui.
Se tivéssemos mirado em criar uma comunidade logo no início, correríamos o risco de não ter tido o mesmo resultado. Foi incrível poder experimentar e aprender com a gestão do projeto.
👉 O mínimo caminho viável para aprender italiano (2023)
Desde que Mario e eu começamos a nos relacionar, a pergunta que mais ouvi ao longo do tempo foi: “E o seu italiano, como está?”. Durante nossos primeiros cinco anos juntos, as respostas variaram de “não entendo e não falo” para “entendo, mas não falo”.
Até o início de 2023, eu não tinha aprendido italiano por um motivo bem simples: eu não tinha me proposto a aprender italiano. E eu não tinha me proposto a aprender italiano porque: 1) A língua não era fundamental para que a gente se entendesse, já que nos comunicávamos em inglês 💬 e 2) Eu tinha outras coisas para aprender primeiro, principalmente dentro da minha trajetória empreendedora.
Uma vez aqui, tudo mudou, e saber italiano passou a ser fundamental para eu interagir com o ambiente, conhecer mais pessoas e ter autonomia. Eu já entendia bastante porque havia passado seis meses “presa” por aqui durante a pandemia, mas não sabia formular frases complexas e ter uma conversa boa com alguém.
Decidida a aprender direitinho, comecei a procurar cursos em Milão e região, mas confesso que não achei que valia a pena investir o valor que as escolas de italiano pediam para aprender o básico.
Diante disso, a pergunta que fiz a mim mesma foi: “Qual é o mínimo caminho viável para começar a aprender o básico de italiano hoje?”. E a resposta veio em forma de aplicativo: Duolingo 📱. Assim, a ideia era aprender o básico e, só depois, investir em um curso mais avançado.
Comecei a fazer as lições na versão gratuita do Duo, mas os anúncios me incomodaram bastante. Fiz o teste da versão paga e não demorou muito para que eu ficasse totalmente envolvida pela metodologia de ensino da plataforma. Além do mais, com meia hora de exercícios diários, eu já tinha doses de dopamina suficientes, inclusive, para não querer usar outras redes sociais.
À medida que eu ia estudando, falando, errando, corrigindo e não me intimidando pelos erros, mais eu queria aprender. Assim, pouco depois de completar um ano de presença diária na plataforma, eu concluí o curso de italiano 🎉. E o fato de estar imersa no país acelerou o processo de aprendizagem de tal modo que nem foi preciso um curso avançado para que eu me tornasse fluente no idioma.
Eu poderia ter investido 400€ em um curso de italiano básico, seria até mais seguro. Em vez disso, preferi arriscar e, com menos de 60€ (o valor da assinatura anual do Duolingo), consegui um resultado melhor. E ainda virei fã do aplicativo.
➡️ Em suma, mínimo caminho viável rules
Mesmo inserida em um contexto completamente diverso, a história do Théâtre de la Mode me fez revisitar esses pequenos experimentos que reforçam a importância de começar com o que está ao alcance, testando, ajustando e permitindo que o processo nos guie. 🔄
No fim, talvez o grande aprendizado seja esse: o mínimo caminho viável pode não ser o destino final, mas ele nos coloca em movimento.🚶♀️ E, às vezes, é justamente esse primeiro passo que faz toda a diferença.
O mínimo caminho viável para escrever um livro pode ser uma newsletter. Para driblar a falta de grana para comprar livros e revistas, uma biblioteca pública. Para descolar um trabalho ou alavancar um projeto, a nossa própria rede de contatos.
Quando a gente começa a explorar tudo o que está ao nosso redor, descobre o mundo de possibilidades que existe nas limitações.
E você? Já tinha pensado nisso? 🤔
Por motivos de minha-nossa-senhora-que-texto-gigante, hoje fico por aqui, com a promessa de reduzir os textos a equilibrar melhor as pessoas.
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Mesmo em hiato, ainda te convido a ouvir o Ouvidorama, meu podcast. As conversas continuam atuais.
👋🏼 Até a próxima!
Muito legal conhecer os seus projetos, Ana, e também essa história da moda na Europa. Eu descobri o The Lean Startup recentemente e quero procurar mais sobre o Effectuation, porque acho que é o que faz mais sentido mesmo nos tempos em que vivemos.